Transcrição do episódio A transcrição é gerada automaticamente por Podscribe, Sonix, Otter e outros serviços de transcrição eletrônica.
Olá pessoal, aqui é o Ricardo Vargas e esse é mais um 5 minutes podcast. Hoje eu queria falar sobre o que está acontecendo no Rio Grande do Sul, sobre a tragédia no Rio Grande do Sul. Muita gente me pediu para que eu manifestasse, usando a minha experiência da ONU, a minha experiência em crises, e é isso que eu pretendo fazer hoje nesse episódio. Mas, sem dúvida nenhuma, eu acho que a primeira coisa que eu preciso colocar é a minha solidariedade com todas as famílias que perderam entes queridos, as pessoas que perderam, vamos dizer, a casa, a estrutura, a oportunidade de trabalho, o acesso aos recursos. Sem dúvida nenhuma, é uma dor sem precedente. Eu tive a oportunidade de viver eventos muito similares a esse durante os cinco anos que eu estive na ONU, e essa é uma área que eu tive bastante experiência, eu já tive escrevendo sobre projetos problemáticos, sobre crises em projetos, e eu queria dirigir esse podcast mais para autoridades, para as pessoas envolvidas nessa ação emergencial, para as forças de segurança, para os voluntários que estão diretamente envolvidos. Eu acho que tem três dimensões que são importantíssimas para a gente preocupar nesse momento. A primeira delas é irrelevante nesse momento discutir assim, mas por que há 20 anos atrás não fizeram uma obra? Mas por que a manutenção do dique não foi feita, etc. Isso só serve para aumentar a tensão e só serve para aquelas pessoas que não estão na região afetada tentar achar uma justificativa para culpar alguém, ou seja, para descarregar a raiva.
Isso não recupera as vidas que foram perdidas, etc. Primeiro, e de forma nenhuma eu estou falando que isso não precisa ser apurado, mas a gente precisa entender que num momento de crise, a prioridade absoluta e total de todas as forças é o quê? Para você tirar as pessoas do risco, isso significa as pessoas que estão em uma situação precária ou as pessoas que já passaram, por exemplo, por um deslizamento, etc, é socorrer a essas pessoas. Essa é a coisa que tem que estar na cabeça, independente de qual é a sua visão política ou ideológica, a primeira coisa que tem que ser feita é o seguinte como é que eu coloco as pessoas dentro de um patamar mínimo de segurança? Então, acho que esse é a primeira coisa que tem que ser colocada, ou seja, imediatamente. Ou seja, enquanto a água não abaixa, como é que eu consigo resgatar a maior quantidade possível de pessoas, dar assistência médica, dar alimentação e dar as condições básicas para que essas pessoas consigam superar os próximos dias? Não adianta pensar o que vai ser daqui a dois anos ou o que vai ser daqui a quatro anos. Porque se não existir os próximos 15 dias, os próximos quatro anos não vão existir. Então a gente tem que ser muito pragmático. Segunda coisa, quem está em situação de fragilidade vai se tornar mais frágil. Olha, eu vou te dizer assim é surpreendente como, numa situação de crise como essa, a gente vê dois comportamentos muito claros: Primeiro, o comportamento daqueles que não foram diretamente afetados, que é o comportamento da compaixão, do voluntarismo, ou seja, de gente saindo de outras partes do país para ajudar, etc, numa energia extremamente positiva para ajudar.
E nós vemos do outro lado as pessoas que foram afetadas ou as pessoas que estão dentro do problema. E aí a gente vê muitas vezes uma irracionalidade que a gente não esperava, porque quando o tecido social ele colapsa, por exemplo, numa tragédia como essa, é que você vê assim o lado completamente irracional do ser humano, onde nós vamos ver o que as pessoas que tem uma situação de fragilidade, por exemplo, mulheres, por exemplo, meninas e onde você vê a violência contra a mulher, estupro, etc. E olha, eu vou falar isso da minha experiência, um dos maiores problemas que existe em qualquer campo de refugiado é a violência contra a mulher. Por quê? Porque quem está num campo de refugiado está numa situação de fragilidade. Ou seja, ninguém vai para um campo de refugiado por que quer. Da mesma forma, quem está num abrigo hoje no Rio Grande do Sul não está lá por que quer, Não está lá porque foi uma opção, está lá porque não tem uma alternativa de voltar para casa. E essas pessoas estão fragilizadíssimas, não só do ponto de vista material, porque tiveram que deixar a sua vida.
A sua roupa, tiveram que deixar basicamente tudo. Como estão psicologicamente fragilizados, ou seja, sem saber se vão um dia ter casa, se vão conseguir voltar para casa, se vão conseguir ter comida no outro dia, se vão conseguir ter comida. Então, diante dessa fragilidade, a violência contra essas pessoas aumenta, e nesse momento as forças de segurança tem que atuar mesmo. E assim, não existe abrigo com banheiro feminino e masculino que não esteja vigiado. A violência contra a mulher ela vai existir se ela não for coibida com força policial. Sabe assim parece que o que eu estou falando assim é uma sina ou uma tragédia, não é? Isso acontece em todos. Eu vi essa cena acontecer inúmeras vezes, então é importantíssimo, tão importante quanto ter comida ou distribuir uma sopa nesses abrigos é dar a condição de proteção a essas pessoas, Ou seja, é criar uma região onde só ficam mulheres. Segregar mulheres e homens quando não estão em família é segregar banheiros com acessos completamente diferentes, ou seja, o banheiro dos homens do lado de fora, o banheiro das mulheres do lado de dentro, onde você não tem aquela interconexão, onde tem uma porta de um lado e outra porta do outro. Por quê? Porque a violência vai acontecer. Lembre se o seguinte isso faz parte das condições naturais de vida. Então, quando você monta um abrigo e monta uma ação emergencial, essa é uma das primeiras coisas que você precisa. Outra coisa importantíssima nos trabalhos de resgate etc.
Lembre se que as forças policiais convencionais muitas vezes não funcionam. Não existe um telefone da polícia porque muitas vezes a rede de telefone não existe, etc. Então, é muito importante que as pessoas que se deslocam para, por exemplo, fazer salvamento, etc, elas tenham o amparo o quanto possível de forças policiais, etc. Porque também todas as pessoas que tem interesse em pilhagem tem interesse nesse tipo de exploração, elas vão se beneficiar dessa fragilidade. E a terceira dica é o que a gente chama em inglês de build back better, a fase mais dura disso tudo, ela ainda não aconteceu porque hoje você ainda tem um estado tão crítico que as pessoas ainda não conseguem pensar num horizonte mais do que o próximo dia e mais do que a sobrevivência básica. Agora, o que que é muito importante, é que daqui a 40 dias, daqui a 50 dias, daqui a 90 dias, existe uma possibilidade enorme de que outras crises no país, outras crises no Estado, outros assuntos que tomam as manchetes dos jornais ofusquem a recuperação de uma tragédia como essa. Ou seja, e aí, daqui a 90 dias eu volto no início do que eu falei nesse podcast, é a hora onde você vai falar assim como é que nós vamos resolver esse problema? Como é que nós vamos evitar para que isso não aconteça de novo? E eu vou dizer essa é a parte mais cara, mais trabalhosa, mais demorada. É a parte que, do ponto de vista político, dá menos voto, dá menos audiência porque ela não é tão visível.
Trabalho de saneamento, trabalho de diques, etc. não tem a visibilidade de uma ponte. Então é nessa hora que a sociedade tem que pensar muito em como ela vai conduzir essa situação, etc. ou seja, lógico, uma isenção tributária, um perdão de dívida, etc. tudo isso ajuda, mas se não existir uma ação, nós corremos o risco de gravar esse podcast de novo daqui a alguns anos falando a mesma coisa ou coisas piores. Então assim, vamos entender isso então. Primeira coisa, como é que você tira as pessoas do risco iminente de morte, da condição básica de ter comida, saúde, segurança? Segundo, entender que as pessoas mais frágeis, os idosos, as mulheres, as crianças vão se tornar infinitamente mais frágeis e as forças de segurança, ou seja, é voluntário para fazer segurança, sabe? E pensar nisso como voluntário para distribuir comida. E terceiro, pensar sempre o seguinte que daqui a algumas semanas a crise crítica vai diminuir. Mas é aí que o trabalho começa, para evitar com que uma tragédia dessa aconteça de novo. Eu acho que é isso que a gente tem que pensar. Espero que isso caia nas vozes de quem está conduzindo essa crise para que a gente consiga realmente preservar a maior quantidade possível de vidas e não ter uma dor dessa se repetindo no futuro. Uma boa semana para todos vocês e até semana que vem com mais um 5 Minutes Podcast.